Barbatimão: pesquisadores do ITP desenvolvem extrato que acelera cicatrização de úlceras no pé diabético

27/05/2019

Por Andréa Moura

No ano de 2018, o Ambulatório de Feridas do Centro de Especialidades Médicas de Aracaju (Cemar), unidade referenciada no estado de Sergipe para o tratamento dos pacientes com pé diabético atendeu 4.477 pessoas, sendo 2.423 homens e 2.054 mulheres. Deste total, 120 foram encaminhadas para o Hospital de Urgência de Sergipe (HUSE) para serem submetidas à cirurgia de amputação, parcial ou total, do pé. No primeiro trimestre de 2019 foram atendidos 1.460 pacientes, sendo 708 homens e 752 mulheres. Quarenta e oito pessoas foram encaminhadas ao HUSE para amputação. Estes dados foram passados pela secretaria municipal da Saúde de Aracaju, órgão ao qual o Cemar está ligado e, mesmo sendo números altos, podem não retratar fidedignamente o problema em Sergipe, pois, não há garantia de que todos os pacientes com pé diabético do Estado vieram à capital para serem acompanhados por profissionais de saúde.

Segundo matéria veiculada pelo jornal Correio Brasiliense no ano passado, até o mês de agosto de 2018 o Brasil já tinha registrado 5.566 amputações provocadas por pé diabético, gerando, até aquele momento, um gasto de R$ 6,5 milhões para a saúde pública. No ano de 2017 foram 12.748 amputações decorrentes da doença e um custo de R$ 14,7 milhões. Pela definição do Ministério da Saúde, pé diabético são feridas que podem ocorrer no pé das pessoas com diabetes e têm difícil cicatrização, em virtude dos níveis elevados de açúcar no sangue e/ou circulação sanguínea deficiente, sendo uma das complicações mais comuns do diabetes mal controlado.

Estima-se que, aproximadamente, ¼ dos pacientes com diabetes desenvolverão úlceras (feridas) nos pés, e que 85% das amputações de membros inferiores ocorrem em pacientes portadores da doença. De acordo com a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), a polineuropatia diabética (PND), uma complicação que afeta 50% dos pacientes, é o fator causal mais importante para as úlceras nos pés diabéticos. Ela leva à insensibilidade e, nos estágios mais avançados, a deformidades. “A tríade PND + Deformidades + Trauma é fator determinante para o chamado pé diabético, caracterizado por ulceração complicada por infecção e que pode evoluir para amputação, principalmente se há má circulação sanguínea. Outros fatores que colocam a pessoa em mais alto risco são: doença renal do diabetes, retinopatia diabética, condição socioeconômica baixa, morar sozinho e inacessibilidade ao sistema de saúde”, informa a SBEM.

Características benéficas do barbatimão foram comprovadas em laboratório pelo grupo de estudos do ITP

Visando ajudar na minimização desse grave problema de saúde pública, pesquisadores do Instituto de Tecnologia e Pesquisa (ITP), sediado em Aracaju/Sergipe, estão desenvolvendo membranas contendo extrato de barbatimão para a cicatrização de feridas decorrentes do pé diabético. As membranas são uma solução tecnológica com baixo custo de produção; reabsorvíveis pelo próprio organismo, o que a torna, consequentemente, mais higiênica. A depender do tipo e extensão da ferida ela não precisa ser trocada diariamente, o que promove maior aproveitamento do medicamento utilizado, pois, é liberado lentamente à medida que a membrana vai sendo decomposta.

“Essa linha de pesquisa com membranas não é nova para nós, aqui do ITP, porque já trabalhamos com elas há cerca de dez anos, sempre buscando soluções para problemas na área da saúde. O que muda é o alvo-terapêutico e a substância que vai contida nela. A escolha é feita por meio de levantamento etnofarmacológico de uma série de produtos regionais com potencial terapêutico, e que já era descrito pela sabedoria popular, a exemplo do Stryphnodendron adstringens, popularmente conhecido como barbatimão, e que é utilizado na pesquisa para o pé diabético”, explicou o Dr. Ricardo Luiz Cavalcanti de Albuquerque Júnior, pesquisador do Laboratório de Morfologia e Patologia Experimental (LMPE) e um dos coordenadores da pesquisa.

EFICIÊNCIA COMPROVADA

Após diversos estudos ficaram comprovadas as propriedades medicinais da planta, que de acordo com a sabedoria popular é excelente anti-inflamatório. Porém, as análises mostraram bem mais que isso: além de reduzir inflamações, o barbatimão também é antimicrobiano, anticolagênico e analgésico, características importantes para o tratamento de feridas crônicas. Os estudos foram realizados em parceria com pesquisadores da Universidade Estadual de Maringá, no Paraná, onde também já havia estudos sobre a planta. “A vantagem de trabalhar o barbatimão é que a literatura possui uma série de estudos que apontam o potencial cicratizante”, observou Dr. Ricardo Albuquerque.

Em virtude do resultado dos testes in vitro e nos modelos animais, que apresentaram excelentes resultados, o grupo percebeu que o extrato de barbatimão, veiculado em membrana de colágeno hidrolisado, tinha efeito igualmente interessante. E foi a partir dessas respostas que o Comitê de Ética em Pesquisa liberou os ensaios clínicos, ou seja, o uso das membranas contendo barbatimão em humanos, mais precisamente, em pacientes com pé diabético atendidos exclusivamente pelo SUS nas Unidades Básicas de Saúde do município de Aracaju. Esta fase do estudo teve início em novembro de 2018.

Dr. Ricardo Albuquerque, pesquisador do ITP

A pesquisa, que foi iniciada há cerca de seis anos, recebeu ao longo desse tempo financiamento da Capes, da Fapitec/SE, do Banco do Nordeste do Brasil e do CNPq. Como os resultados dos ensaios clínicos têm confirmado os testes anteriores com grande eficiência e eficácia, o Dr. Ricardo Albuquerque afirma que os próximos passos dados serão no sentido de encontrar, no setor produtivo, parceiros para transferir a tecnologia e ela poder ser produzida em larga escala para ajudar a quem sofre com as úlceras de pé diabético.

De acordo com as informações da enfermeira Maria Paula Reis Futuro, aluna do mestrado de Saúde e Ambinte da Universidade Tiradentes, localizada em Aracaju/SE, e responsável pelo acompanhamento dos nove pacientes que compõem os quatro grupos do ensaio clínico, os efeitos obtidos em razão do uso das membranas com barbatimão são animadores, pois, os pacientes tratados com estas substâncias estão apresentando rapidez na cicatrização das feridas em escala maior que os tratados com as membranas também desenvolvidas no ITP/SE, mas sem o extrato.

A eficácia tem sido superior, também, à apresentada pelos pacientes que têm recebido o tratamento preconizado pelo Ministério da Saúde para o SUS, em casos de úlceras crônicas, que conta com a aplicação de medicamento à base de colágeno, sulfadiazina de prata e óleo de girassol; e melhores, ainda, que o grupo denominado “Ouro”, nome dado por usar um hidrogel referência no mercado.

“Padronizamos o tipo de tecido das feridas para que os grupos pudessem ficar semelhantes e, desta forma, não haver discrepância nos resultados. Claramente, os pacientes que têm sido tratados com a membrana contendo extrato de barbatimão são os que apresentam melhores resultados, um deles, por sinal, teve a ferida completamente fechada antes mesmo dos três meses de duração do ensaio”, comemorou Paula Futuro.

O PROCEDIMENTO

Os pacientes que não têm mobilidade para irem até a unidade de saúde para fazer a troca diária do curativo estão recebendo acompanhamento da enfermeira Paula Futuro em casa. Por ter um aspecto amplo, a pesquisa também leva em consideração as condições fisiopatológicas do pé diabetico que, de acordo com a profissional da saúde, atrasam o processo de cicatrização, “até porque existem outros fatores que influenciam diretamente neste processo de melhora”, frisou. A evolução dos integrantes do ensaio clínico é acompanhada, também, por meio de formulário específico, onde estão descritas informações importantes como, por exemplo, os medicamentos dos quais o paciente faz uso, se é hipertenso, tabagista, o Índice de Massa Corpórea, se está com sobrepeso e, a mais importante, se a glicema está abaixo de 200 mg/dl.

A enfermeira Paula Futuro aplicando a membrana com extrato de barbatimão em um dos pacientes do ensaio clínico

Um dos pacientes selecionados é uma senhora de 42 anos de idade, moradora do bairro Getúlio Vargas, localizado na região central da capital sergipana. Há dez anos ela vem sofrendo, cotidianamente, em virtude das consequências do pé diabético. Diagnosticada aos 20 anos com diabetes, ela conta que até os 32 teve uma vida normal e economicamente ativa, pois trabalhava como auxiliar de limpeza. “Mas, um dia estava limpando a pizzaria onde trabalhava e pisei em um prego, depois disso ficou assim”, comenta a paciente, apontando para baixo.

O “assim” a que ela se refere é o fato de o pé direito ter, agora, apenas o dedão, pois os outros foram amputados por causa da doença, que, certa vez, também afetou a região plantar do pé. A última amputação foi há cerca de seis meses e, por causa deste procedimento, ela foi selecionada para o grupo que recebe tratamento com membrana contendo extrato de barbatimão. “Aceitei participar porque minha irmã disse que seria bom para mim, e realmente está sendo. Pela primeira vez uma ferida minha fechou bem rápido. Das outras vezes que fiz cirurgia demorou muito para sarar, eu não conseguia caminhar direito como agora. Também tive outros benefícios, porque consegui controlar a glicemia e perder peso, graças as orientações que recebi”, declarou a paciente.

Mesmo conseguindo andar, ela recebe o tratamento em casa, pois a distância entre a residência dela e a unidade de saúde do bairro é considerável. Como a cicatrização está bem acelerada, não é mais necessário fazer o curativo e a troca das membranas diariamente, mas a cada dois dias. “Essa é outra característica positiva do material: possibilita a redução dos custos, inclusive para o paciente, que muitas vezes tem que fazer os curativos em casa e arca com as despesas do que é utilizado, quando o SUS não consegue prover o material, que não é barato”, observou Paula Futuro.

Com dez anos de profissão e já tendo atuado em unidades hospitalares, onde, segundo ela, acompanhou diversos pacientes com o mesmo problema, a enfermeira alerta que uma ferida de pé diabético pode ser a porta de entrada para graves infecções, por isso, o tema requer atenção e cuidado redobrado. “A ferida crônica impede que o paciente tenha uma vida saudável, normal, e afeta, inclusive, as relações sociais. É algo que gera sofrimento e prejuízos de diversas ordens, não só para quem a tem, mas também para a família que acompanha a situação”, observou a enfermeira.



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