Micro-organismos do manguezal podem ser usados para remediação de áreas contaminadas

15/04/2021

Por Andréa Moura

É comum, para uma grande parte da população brasileira, imaginar que área de manguezal contenha apenas caranguejo, alguns outros tipos de animais invertebrados e algumas espécies de árvores. Porém, o que muita gente sequer imagina é a importância para o equilíbrio ambiental e para a economia que esse ecossistema possui, e que vai muito além da fauna e flora que o compõem e podem ser vistas a olho nu. Os micro-organismos presentes na área de manguezal podem atuar na remediação das áreas contaminadas por hidrocarbonetos (geralmente obtidos a partir do petróleo e que, por isso, estão presentes nos produtos derivados dele, como a gasolina, querosene, óleo diesel e outros) e agrotóxicos orgânicos que integram a lista de Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs) da Convenção de Estocolmo, tratado internacional que visa a eliminação segura destes poluentes, a limitação da produção e uso, do qual o Brasil é signatário.

E é justamente a atuação específica de alguns micro-organismos deste ecossistema que um grupo de pesquisadores do Instituto de Tecnologia e Pesquisa (ITP), sediado em Aracaju/SE, vem estudando desde o ano de 2017. Com financiamento do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) por meio do Fundo de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Escritório Técnico de Estudos Econômicos (Etene/Fundeci - 2015), edital voltado à difusão de novas tecnologias de convivência e mitigação dos impactos das mudanças climáticas da região, está sendo desenvolvida a pesquisa “Prospecção de micro-organismos do manguezal para remediação de áreas contaminadas por hidrocarbonetos e agrotóxicos orgânicos”.

Os estudos estão sendo coordenados pela Dra. Maria Lucila Hernandez Macedo, do Laboratório de Biologia Molecular (LBM), especialista em genética e biologia molecular com ênfase em genética de micro-organismos, e conta com a participação do Dr. Jorge Alberto López Rodriguéz, também do LBM; e dos doutores Giancarlo Richard Salazar Banda e Katlin Ivon Barrios Eguiluz, do Laboratório de Eletroquímica e Nanotecnologia do ITP (LEN/ITP).

Dentre as principais ações que pretendem ser realizadas estão a avaliação da degradação dos poluentes e dos metabolismos produzidos pelos micro-organismos antes e pós biorremediação. Outro aspecto importante desse estudo é a análise da degradação dos poluentes por eletroquímica para a comparação da eficiência com o tratamento biológico, e propor tratamento combinado eletroquímico-biológico como método alternativo para a recuperação de ambientes contaminados por hidrocarbonetos e agrotóxicos.

O projeto de pesquisa terá a duração de quatro anos e, para conhecer um pouco dele, conversamos com a Dra. Maria Lucila Hernandez. Confira, a seguir, alguns trechos da conversa:

INSTITUTO DE TECNOLOGIA E PESQUISA - Como os micro-organismos existentes no manguezal podem atuar na remediação das áreas contaminadas por hidrocarbonetos e agrotóxicos orgânicos? De quais tipos de hidrocarbonetos e agrotóxicos orgânicos estamos falando?

MARIA LUCILA HERNANDEZ MACEDO - Alguns microrganismos, fungos e/ou bactérias quando expostos a ambientes contaminados com, por exemplo, hidrocarbonetos e agrotóxicos, passam a sintetizar diversos metabólitos, entre eles enzimas, a fim de se adaptarem às novas condições ambientais ou mesmo utilizarem esses contaminantes como fonte de carbono. Esses microrganismos, assim como seus metabólitos específicos, apresentam interesse comercial/industrial. No nosso estudo estamos trabalhando com petróleo, que é formado por uma cadeia de hidrocarbonetos (parafínicos, naftênicos, aromáticos) e também com um grupo de agrotóxicos orgânicos.

ITP - Como foi possível descobrir que alguns micro-organismos presentes no mangue teriam essa nobre finalidade?

M.L.H.M. - A literatura científica já relata o potencial de fungos e bactérias em processos de biorremediação. Este indicativo nos levou à procura de novos micro-organismos que tornem o processo mais eficiente. O projeto também contribui com o estudo de microbiomas brasileiros, neste caso, o manguezal do estado de Sergipe. Bactérias e fungos correspondem a 91% dos micro-organismos encontrados em sedimentos de manguezais. Porém, apesar de esse ecossistema ser rico em diversidade microbiana, menos de 5% das espécies têm sido descritas e, em muitos casos, nem a função ecológica e nem o potencial de aplicação biotecnológica são conhecidos. Assim, apesar de o potencial biotecnológico dessa microbiota já ser relatado na área médica, ainda pouco se conhece sobre a capacidade de degradação de poluentes orgânicos recalcitrantes que esses microrganismos possuem.

ITP – De quais micro-organismos estamos falando, uma vez que são inúmeros os encontrados dentro do ecossistema mangue, e como eles se comportam, em essência?

M.L.H.M. - Até o momento conseguimos identificar seis bactérias e estamos em fase de identificação dos fungos. Algumas dessas espécies têm impacto especialmente forte na estrutura da comunidade microbiana, pois, mantêm o equilíbrio da mesma ou até possibilitam a existência dela. Assim, algumas espécies podem ser essenciais para a criação e conformação de uma comunidade, podendo modificar o ambiente para o desenvolvimento de outros organismos que compõem o grupo.

ITP - Quando começaram os estudos, até quando eles devem ocorrer e quais os resultados obtidos até agora?

M.L.H.M. - Os estudos foram iniciados em dezembro de 2017 e têm previsão de serem finalizados em quatro anos. Um dos resultados mais promissores é que o tratamento destes agrotóxicos por eletroquímica, seguido do tratamento microbiano, mostra que esses poluentes são altamente degradados, diminuindo significativamente a toxicidade das amostras aquosas analisadas. Assim, o método eletroquímico, seguido do tratamento microbiológico para degradar agrotóxicos, tem se mostrado uma tecnologia de remediação promissora e inovadora na área ambiental. No momento, o grupo vem trabalhando para a detecção de genes associados à expressão de enzimas do grupo das oxigenases e peroxidases, bem como na utilização de consórcios microbianos para degradação dos poluentes recalcitrantes.

ITP - Qual a aplicabilidade prática deste projeto para a melhoria das condições de saúde, bem-estar e até mesmo econômica da população?

M.L.H.M. – Ao estudar a biorremediação por micro-organismos busca-se utilizar processos menos impactantes ao meio ambiente e à saúde da população para recuperar um ambiente contaminado. A biorremediação, combinada com processos eletroquímicos, pode ser utilizado como método eficiente para remediar ambientes aquosos contaminados e, assim, ser uma alternativa no tratamento de águas para consumo da população.

ITP – Estaríamos falando de todo e qualquer mangue, ou as características mudam a depender da região?

M.L.H.M - As características mudam a depender da região. Os ambientes de manguezais podem apresentar diferentes condições de salinidade, ação antrópica e temperatura, dentre outros fatores que afetam a microbiota desse ambiente.

ITP - Sergipe possui área de manguezal de aproximadamente 256 km². Está sendo estudada toda essa extensão ou áreas específicas?

M.L.H.M. - O projeto tem como objetivo analisar amostras de sedimentos das regiões da Área de Proteção Ambiental Permanente do Litoral Sul do estado de Sergipe, que compreende a foz do Rio Vaza-Barris e a desembocadura do Rio Real.

ITP – Como a senhora avalia a importância de fomento a projetos de pesquisa como este?

M.L.H.M - O apoio do BNB à ciência básica com potencial tecnológico é fundamental, pois promove, primeiramente, a pesquisa que é revertida à população e a formação de pesquisadores qualificados na região para o desenvolvimento da ciência. Neste sentido, o projeto conseguiu financiar a formação de quatro alunos de iniciação científica e de dois alunos de mestrado, que vêm publicando os resultados obtidos em forma de artigos científicos em revistas indexadas. O apoio do BNB neste projeto tem permitido, também, conhecer o potencial biotecnológico dos recursos microbianos encontrados na nossa região, abrindo perspectivas para a utilização em outras áreas de pesquisa.



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