Pesquisa do ITP visa promover a regeneração medular e devolver ao paciente a capacidade motora

14/04/2021

Por Andréa Moura

No ano de 2019, o Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos de Via Terrestre (Seguro DPVAT) pagou 353.232 indenizações em todo o Brasil em virtude de acidentes de trânsito, sendo a maior parte deles, 67%, por invalidez permanente. Vinte e dois por cento dos pagamentos foram para despesas médicas e 11% em consequência de mortes. Os números foram maiores que os registrados no ano imediatamente anterior (2018), quando a quantidade da cobertura do DPVAT por invalidez permanente foi 3% menor; com despesas médicas 25% a menos, e por mortes 6% menores que o total registrado em 2019.

Esses dados foram divulgados pela Seguradora Líder, que, à época, era a responsável pelo pagamento do DPVAT, e não especificam os tipos de lesões que causaram invalidez permanente em tantas pessoas. Porém, embora o relatório não tenha apontado os tipos, uma das causas desse tipo de invalidez é a lesão medular, como aponta o Ministério da Saúde (MS) no documento “Diretrizes de Atenção à Pessoa com Lesão Medular”, publicado em 2013. De acordo com o material, este é um dos mais graves acometimentos que pode afetar o ser humano e que gera repercussão física, psíquica e social.

Embora a taxa de incidência e prevalência deste problema seja desconhecida no Brasil, pois, não existe obrigatoriedade de notificação pelo sistema de saúde, o próprio documento do Ministério, àquele ano, estimou a ocorrência de cerca de dez mil novos casos de lesão medular no País/ano, sendo o trauma a causa predominante, chegando a superar as estatísticas de outros países e, por isso, já considerado patologia de alto impacto socioeconômico com elevado custo por paciente.

O estudo feito para originar a publicação apontou, ainda, que os dados levantados junto aos centros de reabilitação mostraram que a maior parte dos casos estava relacionada a acidentes automobilísticos e a ferimentos por projéteis de arma de fogo, sendo estes a segunda causa mais comum das lesões medulares por trauma. Ainda de acordo com a publicação do Ministério da Saúde, as lesões medulares podem provocar alterações motoras, sensitivas, autonômicas e psicoafetivas, problemas que se manifestarão, principalmente, como paralisia ou paresia dos membros; alteração de tônus muscular; dos reflexos superficiais e profundos; e modificação ou perda das diferentes sensibilidades, dentre outras.

Foi pensando em reduzir a quantidade de pessoas que ficam inválidas em decorrência deste tipo de trauma que pesquisadores do Instituto de Tecnologia e Pesquisa (ITP), dos Laboratórios de Biomateriais (LBMat) e de Morfologia e Patologia Experimental (LMPE), coordenados pelas doutoras Juliana Cordeiro Cardoso e Margarete Zanardo Gomes, respectivamente, deram início a um projeto de pesquisa visando a regeneração da lesão medular utilizando o extrato de um produto natural. O trabalho tem dentre os objetivos desenvolver e caracterizar nanocompósitos utilizando nanotubos de carbono funcionalizados com substâncias anti-inflamatórias obtidas de extrato de produto natural oriundo da região Nordeste brasileira, além de formar recursos humanos na área de nanotecnologia para aplicação em saúde. O também pesquisador do ITP, Dr. Ricardo Luiz Cavalcanti de Albuquerque Junior, integra o grupo de trabalho para a pesquisa em questão.

A relevância do projeto, iniciado em 2016, é tão grande que foi escolhido pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB), através do Fundo de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Escritório Técnico de Estudos Econômicos do banco (Etene/Fundeci) para ser, por ele, financiado.

CONHECENDO A PROPOSTA

As doutoras Juliana Cordeiro e Margarete Zanardo, pesquisadoras do ITP

A coordenadora do projeto explicou que a lesão medular ocorre quando, em consequência de algum tipo de acidente, seja queda ou automobilístico, há o esmagamento ou rompimento da medula espinhal e quando isso acontece o paciente acaba ficando paraplégico, trauma que geralmente é irreversível porque houve interrupção da condução nervosa na medula, e no espaço rompido acaba sendo formada, pelas próprias células inflamatórias, uma cicatriz, o que dificulta a reconstrução do canal e a passagem da condução dos estímulos neurais.

A formulação farmacêutica desenvolvida na pesquisa atuará justamente no local prejudicado pelo trauma. A proposta é colocar um gel fotopolimerizável contendo nanotubo de carbono, que é excelente condutor de estímulos elétricos, para que ele seja ‘a ponte para o crescimento dos axônios que conduzem o sinal elétrico’'. O gel onde o nanotubo estará terá duas funções. A primeira é servir de suporte para o nanotubo contendo a substância anti-inflamatória, e a segunda, evitar que a cicatriz seja formada e, desta maneira, reconstruir o ambiente original, uma vez que as células o reconhecerão como se fosse a matriz excelular natural do corpo humano, já que o hidrogel que forma esta matriz é a gelatina, que nada mais é, do que colágeno hidrolisado.

“Portanto, o gel servirá, também, como substrato para a regeneração celular”, explicou a Dra. Juliana Cordeiro. O fato de o gel ser fotopolimerizável significa que o formato dele será moldado sob a presença de luz específica durante aplicação do mesmo no sistema biológico. Mas, a intervenção em prol da melhoria do paciente não fica restrita apenas a estas etapas.

Para acelerar a reabilitação do paciente o nanotubo conterá moléculas de um extrato natural e que é, comprovadamente, poderoso anti-inflamatório. A eficácia desse extrato já foi cientificamente comprovada por meio de diversas pesquisas desenvolvidas no ITP pelo grupo de pesquisa do qual a Dra. Juliana Cordeiro faz parte. Após implantado na medula, o nanotubo liberará as moléculas do produto natural no local da lesão, modulando o processo inflamatório.

PIONEIRISMO

“Este será um tratamento totalmente diferente do que existe atualmente. É uma nova proposta terapêutica onde estamos agregando ações e conhecimentos de diferentes áreas, e todas visando o avanço da ciência em várias frentes”, declarou a coordenadora da pesquisa. O trabalho é interdisciplinar e uniu profissionais de áreas de atuação e linhas de pesquisa diferentes, como a Dra. Margarete Zanardo, neurocientista especialista em lesão medular; o Dr. Ricardo Albuquerque, patologista; e o grupo da Dra. Juliana Cordeiro, que atua investigando produtos naturais de origem regional que têm modificado, para melhor, a vida de muita gente da base da produção, ou seja, os agricultores familiares.

Após dois anos de desenvolvimento do projeto a pesquisa entrou na fase de estudo pré-clínico, com testes sendo aplicados em modelo murino. Atualmente, os trabalhos já contam com um artigo de alto impacto publicado e duas patentes depositadas junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Até chegar à aplicabilidade em humanos existem outras etapas a serem vencidas, porém, o mais importante é que os resultados estão sendo satisfatórios e o estudo é promissor, como afirma a pesquisadora.

Na visão da Dra. Juliana Cordeiro, que nos últimos dez anos teve três projetos de pesquisa científica aprovados pelo BNB, o papel das agências de fomento é fundamental para o desenvolvimento da ciência e, consequentemente, para o bem-estar social. “Ciência não é feita de um dia para uma noite, existe todo um processo a ser seguido. A sociedade e os investidores precisam perceber que tudo que usufruímos na atualidade provém do desenvolvimento da ciência e da tecnologia, porém, infelizmente, os resultados não aparecem na velocidade que desejamos. Este descompasso entre necessidade e resposta muitas vezes afasta investidores. Desta forma, destaco o papel importante das agências de fomento como o BNB”, observou a Dra. Juliana Cordeiro.

Para ela, o Banco do Nordeste do Brasil tem sido um excelente parceiro para os cientistas, pois, tem apostado em projetos que respondem a aspectos regionais, apoiando aqueles que buscam respostas para a sociedade, para a cadeia produtiva, interligando a comunidade à ciência.



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